florestas

Floresta dos plátanos, choupos, freixos, faias, salgueiros, olmos, oliveiras, castanheiros, carvalhos, sobreiros, azinheiras, pinheiros bravos e mansos....
Um blog para seres da floresta, do deserto, dos grandes mares, das planícies, das montanhas, dos rios, das rias, das cidades... não acessível a tias!

domingo, julho 30, 2006

LIsboa



Imagem retirada de http://chamomepatricia.blogs.sapo.pt/

Lisboa

A luz vinha devagar
Através do firmamento...
Vinha e ficava no ar,
Parada por um momento,
A ver a terra passar
No seu térreo movimento.

Depois caía em toalha

Sobre as dobras da cidade;
Caía sobre a mortalha
De ambições e de poalha,
Quase com brutalidade.

O rio, ao lado, corria

A querer fugir do abraço;
Numa vela que se abria,
E onde um sorriso batia,
O mar já era um regaço.

Mas a luz podia mais,

Voava mais do que a vela;
E o Tejo e os areais
Tingiam-se dos sinais
De uma doença amarela.

Ardia em brasa o Castelo,

Tinha febre o casario;
Cada vez mais nosso e belo,
O profeta do Restelo
Punha as sombras num navio...

Nas casas da Mouraria,

Doirada, a prostituição
Era só melancolia;
Só longínqua nostalgia
De amor e navegação.

Os heróis verdes da História

Tinham tons de humanidade;
No bronze da sua glória
Avivava-se a memória
Do preço da eternidade.

Nas ruas e avenidas,

Enluaradas de espanto,
Penavam, passavam vidas,
Mas espectrais, diluídas
Na cor maciça do encanto.

E a carne das cantarias,

Branca já de seu condão,
Desmaiava em anemias
De marítimas orgias
De um fado de perdição.

Miguel Torga

sexta-feira, julho 28, 2006

Lisboa

Esta névoa sobre a cidade, o rio,

Francisco Smith (1881-1961)

[Escadinhas]

Esta névoa sobre a cidade, o rio,

as gaivotas doutros dias, barcos, gente

apressada ou com o tempo todo para perder,

esta névoa onde começa a luz de Lisboa,

rosa e limão sobre o Tejo, esta luz de água,

nada mais quero de degrau em degrau

Eugénio de Andrade

sexta-feira, julho 21, 2006

Giorgio de Chririco
A Incerteza do Poeta



















Original é o poeta

Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

Ary dos Santos

terça-feira, julho 11, 2006

Vincent Van Gogh



Noite Estrelada sobre o Ródano


Tenho Dó das Estrelas

Tenho dó das estrelas
Luzindo há tanto tempo,
Há tanto tempo…
Tenho dó delas.
Não haverá um cansaço
Das coisas,
De todas as coisas
Como das pernas ou de um braço?
Um cansaço de existir,
De ser,
Só de ser,
O ser triste brilhar ou sorrir…
Não haverá, enfim,
Para as coisas que são,
Não morte, mas sim
Uma outra espécie de fim,
Ou uma grande razão –
Qualquer coisa assim
Como um perdão?

Fernando Pessoa

sábado, julho 08, 2006

CHOVE!

Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva
que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes Ferreira

William Blake

Whirlwind of Lovers

A maior desgraça que pode acontecer a um artista é começar pela literatura, em vez de começar pela vida.
Miguel Torga

procure outras florestas, outras árvores, não hesite...